ser filha única nunca nem chegou perto de ter sido um problema pra mim, não fui a criança que ficou lamentando não ter um irmão. na verdade, me deliciei com os privilégios que isso me trouxe.
fui a única neta dos meus avós maternos por uns bons anos, fui a única neta que minha avó paterna criou, fui a única criança pela qual meus pais foram responsáveis. isso fazia de mim o centro das atenções e eu soube aproveitar as consequentes regalias. eu não precisava de mais ninguém.
mas cheguei perto de saber como é a experiência de ter irmãos. o divórcio dos meus pais aconteceu quando eu tinha sete anos de idade e não demorou muito para meu pai engatar um novo relacionamento, dessa vez com uma mulher que já tinha seus dois próprios filhos. nós fazíamos passeios em família juntos, brincávamos os três quando eu visitava a casa de minha madrasta ou quando eles visitavam a casa de meu pai. ou quando os quatro passaram a morar juntos e eu frequentava o novo lar do qual não fazia parte.
não lembro até que idade eu me referi aos enteados do meu pai como irmão e irmã, mas sei que em dado momento eu percebi que não fazia sentido continuar — a nossa relação não era assim. eles eram irmãos um do outro e eu era uma terceira coisa. o tempo e os diferentes caminhos traçados nos fizeram estabelecer um vínculo que se remete mais a um coleguismo do que irmandade.
fato é que isso nunca me fez falta. nunca havia sido despertada em mim a curiosidade de saber como era chamar alguém verdadeiramente de irmão. até a minha sessão de ainda estou aqui (2024) em novembro do ano passado.
acontece que o filme me fez sentir o que eu nem esperava. a cena da família paiva dançando na sala de estar ao som de take me back to piauí reverberou em mim de tal forma que, dentre outros sentimentos, passei aqueles segundos fantasiando a sensação de fazer parte de uma família grande, feliz e afetuosa. de ter não só um, mas vários irmãos. pessoas que podem te entender como ninguém no mundo, pois só eles sabem como é ser criado pelos mesmos responsáveis, sob o mesmo teto, mesmos costumes, regras, permissões. qual deve ser o sentimento? quais esferas do amor esse tipo de vínculo alcança?
eu nunca vou saber. de lá pra cá, venho me perguntando se eu mudaria essa realidade, caso fosse possível. ter um outro filho ou filha dos meus pais ao meu lado seria melhor ou pior? o que eu sentiria por essa pessoa que nunca teve a chance de existir? quão parecido seria com as representações de amor fraterno que vejo no cinema e na tv?
se você me perguntasse como eu acho que realmente é ser irmã de alguém, eu teria de citar o meu trio de irmãos favorito: kendall, shiv e roman roy.
e se você tiver sido uma das pessoas que fizeram a sábia escolha de assistir succession, sabe que cenas como a de cima não são muito comuns na dinâmica da terrível família roy. mas algo parecido acontece também no episódio seguinte, o último da série, esse que é facilmente uma das melhores coisas já feitas na história da televisão (sem discussão).
em quatro temporadas, é a primeira vez que o kendall sorri com tanta força e honestidade. o Happy Ken não é uma faceta que vem à tona com frequência e ele nunca esteve tão feliz quanto naquele momento. isso acontece ainda no início do episódio e é logo quando nós, kendall girls, desabamos em lágrimas. quem o prometeu o que ele mais queria e precisava ter na vida? os irmãos. a shiv e o roman são os responsáveis por tamanha realização. quem os vê assim não imagina os horrores ditos e feitos uns com os outros ao longo da série.
posteriormente, no mesmo episódio, a shiv fala algo pro kendall que de tempos em tempos visita a minha mente:
essa frase me marcou. são dez palavras que resumem perfeitamente o relacionamento de todos os membros da família bilionária de succession. dez palavras que muito provavelmente resumem bem a relação de boa parte dos irmãos mundo afora. dez palavras e um sentimento que eu não conheço e nunca vou sentir.
e eu acho que gostaria de sentir, no fim das contas. de olhar pra alguém e saber que ela é praticamente uma metade minha no mundo, independente do quanto as nossas personalidades se distinguissem. eu sei como é amar uma amiga, uma avó, um pai, uma paixão, mas tenho acreditado que nada deve ser parecido com amar um irmão.
eu posso te odiar agora, mas amor nunca faltou nem há de faltar. we’re not friends, we are sisters. let it rip